19.11.13

O adepto



Já fui uma criança sofrida pelo Sporting. Naquele tempo chorava e o Sporting foi o responsável por muitas lágrimas.
Fui uma criança que via atentamente o Domingo Desportivo. Sabia de quem era o golo da semana e até quem liderava o ranking dos melhores marcadores.
Lembro-me de tantas segundas que não queria ir para a escola por o Sporting ter perdido.
Lembro-me de insónias nas noites de Domingo a pensar nos argumentos que usaria quando na escola me viessem chatear pela derrota do meu Sporting.
Cresci. E a doença passou-me.
Não me passou o Sporting. Porque não se muda de clube.
Mas, o Vitória está cá. O Vitória impôs-se. Legitimamente.
Há 15 dias fui com entusiasmo ao estádio para uma noite europeia. Chovia, às vezes torrencialmente. E sim já devia ter escrito isto há muito.
O Vitória não me convenceu. Na verdade, desiludiu-me. Jogou pouco. Jogou muito pouco. E desiludi-me numa altura em que o meu coração se preparava para uma evangelização.
Mas, os vitorianos nunca desiludem. Que inveja lhes tenho. Daquele fulgor. Daquela cegueira que grita quando se lhes pergunta baixinho quanto ficou o jogo.
Na noite europeia observei-os. Vão ao estádio como os reformados vão aos correios levantar a pensão a meio do mês. Orgulhosamente identificados.
Mas, o adepto é bicho complexo. Senão vejamos.
Há o adepto masoquista. Insulta a própria equipa durante os 90 minutos, mais os descontos. A bola ainda não está nos pés do homem e já o adepto masoquista grita, "corre filho da puta". E pontapeia a própria cadeira. Não raras vezes atira com o telemóvel para o relvado.
Há o adepto solidário que se revolta com o masoquista. É costume discutirem os 90 minutos, os descontos e no percurso até à saída do estádio. Nunca estão de acordo e o solidário não perdoa o masoquista "oh homem mas você paga as cotas porquê???? Fique em casa. Vem para aqui insultar os jogadores???? Não precisamos de vitorianos como você".
Há o adepto solitário, eternamente fiel à radiofonia. Não lhe basta o que vêm os seus olhos. Quer a análise dos lances na hora, pelos olhos dos outros. Chega só, de rádio no ouvido, veste impermeável e leva protecção para a cadeira. Raramente fala. No estádio só estão os 22 dentro de campo.
Há a adepta. Que conhece o plantel de trás para a frente. E isso inclui carros e matrículas. A adepta costuma abusar dos impropérios porque para ela uma remate do meio campo é potencialmente perigoso e devia dar golo.
Em Guimarães, há ainda o adepto imortal. Senta-se nas barras de protecção da topo sul, em frente à claque de costas para o relvado. Tem cabelo comprido. Nunca usa roupa no tronco. Esteja calor ou frio. Sempre com o tronco despido. Numa mão a bandeira. Na outra a maçaneta. Tambor entre as pernas. E a arte de agitar ao vento o símbolo do seu clube enquanto marca o tom dos cânticos. 90 minutos, mais os descontos. Já lá vão mais de 10 anos. Este adepto não morre (tipo de pneumonia) nem envelhece.

1 comentário:

  1. À medida que ia lendo o teu post ia acenando afirmativamente com a minha cabeça, porque é realmente verdade. E não é por eu ser vitoriana,mas a verdade é que os adeptos do Vitória são aquele tipo de adeptos que o são não importando os obstáculos. Faça chuva ou sol, vento ou calor; caso o clube esteja a passar por maus jogos, quer esteja numa onda de vitorias, os adeptos estão lá, sempre. E isto só faz que eu tenha, ainda mais, orgulho de dizer que sou do VITÓRIA!

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