19.6.13

Com que leviandade se vive assim?




Nunca fui de ter longas e profundas conversas com a minha mãe a quem deixei de tratar pelo diminuitivo muito cedo.
Era a menina do papá. De tal modo que quando menstruei pela primeira vez corri a contar ao único homem da casa.
A relação com a minha mãe é equilibrada. Discutimos na mesma medida que nos amamos. Desvalorizamos as queixas, uma da outra, mas franzimos a testa, discretamente, e desabafamos as dores que nos afligem nos ouvidos de outros. Tantas vezes não nos suportamos, mas nunca conseguimos estar distantes.
De férias, ainda solteira, tinha necessidade de lhe ligar, pelo menos duas vezes por dia. E estranhava a completa indiferença do então meu namorado perante a sua mãe a quem só ligava se eu recomendasse.
Para mim, não é de todo possível, estar num resort - ou onde quer que seja - a milhares de quilómetros de distância e não saber dos meus.
Já gastei pequenas fortunas de telefone em virtude dessa proximidade que prezo quando estou ausente.
Se não era eu a ligar, era a minha mãe que ligava para o hotel e já o fez em várias línguas.
A minha mãe nunca diz que estou bonita. Nunca me chama "filha". Nunca me gabou um trabalho nem se identificou quando outros o fizeram na sua presença. Mas, está aqui. Incondicionalmente. Por mim. E pelas minhas filhas. É um amor reciproco. Que fez a Carolina chorar todas as noites com saudades e que hoje a leva a dizer "não vou mais de férias sem a minha avó". A minha mãe merece-lhe esse amor. Porque lhe puxa os lençóis todas as noites e lhe aperta o botão de cima do casaco. Porque lhe compra e corta os morangos. Porque lhe faz o leite e prepara o lanche todas as manhãs. Porque a vê todos os dias (nos vê, às três todos os dias). Porque nos ama, incondicionalmente. Mesque que berremos demais. Desarrumemos demais. Gastemos demais.
Com que pertinência alguém substitui netos? Ignora filhos?
Com que pertinência alguém permite que os dias passem, que aviões aterrem e pousem, sem saber dos seus?
Com que pertinência se dá a apenas uma o colo que devia ser de três?
Com que pertinência se fala e se cuida como se daquele ventre tivesse nascido apenas um?
Com que leviandade se vive com esta culpa sob os ombros?

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